quarta-feira, 25 de maio de 2011

Traduzir-se

Boa tarde!
O texto de hoje foi extraído do livro Na vertigem do dia, de Ferreira Gullar. Que questiona a relação do homem com a arte, a tradução da poesia do ser individual para o social, reciprocamente.
Boa leitura!


Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
que é uma questão
   de vida ou morte
   será arte?



(Para saber mais sobre Ferreira Gullar e seus escritos acesse o site: http://literal.terra.com.br/ferreira_gullar/)

terça-feira, 24 de maio de 2011

A República, na opinião do Joaquim Bentinho

 
Reunidos no terreiro da Fazenda Velha éramos dez ou doze caipiras e semi-caipiras...
Num acesso de sonho e de ingenuidade, julguei que seria possível o reerguimento do brio e da vergonha política do Brasil, alistando quanto mais eleitores ignorantes ou não e tratei de lançar a ideia entre os roceiros.
- Vocês precisam se alistar; precisamos meter o peito na política... Quem sabe se lavradores e operários unidos não endireitariam esta República de bacharéis...
- Quá... Num deanta sê votante...
- Só serve prá quem qué ganhá...
- Despois, a gente se apura: vae votá cum, otro zanga... Numa paga a pena ranjá nimigo...
- Mas a República...
- Quá... Interveio o Joaquim Bentinho. O meió é mecê largá mão disso... O´i, eu já fui monacrista... virei repurbicano; desvirei... revirei... E hoje nem num sei o que sô! Negócio de guverno, prá mim, é a merma coisa que criação de porco!
- Ora... O senhor é pessimista...
- Isso que mecê falou eu num sei o que é; mais isso eu num sô! Puis vacê veja: - vacê recóie um capado magro no chiquero; pincha um jacá de mio de minhã; otro jacá de mio no meio do dia; vai simbora; otro na boca da noite; de minhan cedo tá puido? O chão, tá limpo... O porco vae cumeno, vae cumeno, e vae ingordano, ingordano, inté num podê mais, de gordo: oreia caída, zóio impapuçado, buchechão estufado... Tá gordo; qué só durmi, roncá... Vancê pincha ua espiguinha de mio cateto ele esprementa e larga; inda sobra mio na espiga pras galinha pinicá... Já cumeu muito... Tá gordo, tá infarado; parô de cumê...
Esse é o Imperadô... Incheu, parô de cumê... Mais coa Repúrbica!... Mecê recoie um, ante desse um ingordá, sae, entra otro...
Num hai mio que chegue...
 
Cornélio Pires
(Esse texto delicioso de Cornélio Pires é apenas uma amostra do trabalho divertido a respeito da vida do caipira! Procure mais que você vai se deliciar! )

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Catavento e Girassol




Meu catavento tem dentro o que há do lado de fora do teu girassol
Entre o escancaro e o contido, eu te pedi sustenido e você riu bemol
Você só pensa no espaço, eu exigi duração
Eu sou um gato de subúrbio, você é litorânea

Quando eu respeito os sinais vejo você de patins vindo na contramão
Mas quando ataco de macho, você se faz de capacho e não quer confusão
Nenhum dos dois se entrega, nós não ouvimos conselho
Eu sou você que se vai no sumidouro do espelho

Eu sou do Engenho de Dentro e você vive no vento do Arpoador
Eu tenho um jeito arredio e você é expansiva, o inseto e a flor
Um torce pra Mia Farrow, o outro é Woody Allen
Quando assovio uma seresta você dança havaiana

Eu vou de tênis e jeans, encontro você demais, scarpin, soiré
Quando o pau quebra na esquina, cê ataca de fina e me ofende em inglês
É fuck you, bate bronha e ninguém mete o bedelho
Você sou eu que me vou no sumidouro do espelho

A paz é feita num motel de alma lavada e passada
Pra descobrir logo depois que não serviu pra nada
Nos dias de carnaval aumentam os desenganos
Você vai pra Parati e eu pro Cacique de Ramos

Meu catavento tem dentro o vento escancarado do Arpoador
Teu girassol tem de fora o escondido do Engenho de Dentro da flor
Eu sinto muita saudade, você é contemporânea
Eu penso em tudo quanto faço, você é tão espontânea

Sei que um depende do outro só pra ser diferente, pra se completar
Sei que um se afasta do outro, no sufoco, somente pra se aproximar
Cê tem um jeito verde de ser e eu sou meio vermelho
Mas os dois juntos se vão no sumidouro do espelho

Composição de Aldir Blanc e Guinha.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Se Se Morre De Amor




                                           Meere und Berg und Horizonte zwischen den
                                           Liebenden – aber die Seelen versetzen sich aus
                                           dem staubirgen Kerker un treffen sic him Paradiese
                                           der Liebe.
   
                                                                          Schiller, Die Räuber.

Se se morre de amor! – Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n’alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve, e no que vê prazer alcança!
Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d’amor arrebatar-nos.
Mas isso amor não é; isso é delírio,
Devaneio; ilusão, que se esvaece
Ao som final da orquestra, ao derradeiro
Clarão, que as luzes no morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D’amor igual ninguém sucumbe à perda.

Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração – abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz de crimes!
Compr’ender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D’aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;
Isso é amor, e desse amor se morre!

Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que amor que em nós sentimos;
Temer qu’olhos profanos nos devassem

O templo, onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recantos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis, d’ilusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compr’ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,       
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!


Se tal paixão porém enfim transborda,
Se tem na terra o galardão devido
Em recíproco afeto; e unidas, uma,
Dois seres, duas vidas se procuram,
Entendem-se, confundem-se e penetram
Juntas – em puro céu d’êxtases puros:
Se logo a mão do fado as torna estranhas,
Se os duplica e separa, quando unidos
A mesma vida circulava em ambos;
Que será do que fica, e do que longe
Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio?
Pode um raio num píncaro caindo,
Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;
Pode rachar o tronco levantado
E dois cimos depois verem-se erguidos,
Sinais mostrando da aliança antiga;
Dois corações porém, que juntos batem,
Que juntos vivem, – se os separam, morrem;
Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,
Se aparência de vida, em mal, conservam,
Ânsias cruas resumem do proscrito,
Que busca achar no berço a sepultura!


Esse, que sobrevive à própria ruína,
Ao seu viver do coração, – às gratas
Ilusões, quando em leito solitário,
Entre as sombras da noite, em larga insônia,
Devaneando, a futurar venturas,
Mostra-se e brinca a apetecida imagem;
Esse, que a dor tamanha não sucumbe,
Inveja a quem na sepultura encontra
Dos males seus o desejado termo!

Gonçalves Dias



terça-feira, 17 de maio de 2011

Sex Shop


Sempre tive vontade de escrever sobre o universo dos brinquedos eróticos, mas duas coisas me impediam. Primeira, minha total desinformação a respeito, já que não sou usuária. Segunda: a dificuldade de encontrar o tom certo, sem cair na vulgaridade. Porém, depois de assistir no cinema ao despretensioso De Pernas pro Ar, com Ingrid Guimarães e Maria Paula dando aula sobre o assunto de maneira nada vulgar, e sim divertida, resolvi me atrever.

Não conheço muitas mulheres que façam uso de vibradores e demais produtos que complementam o prazer. Dentre as da minha turma, creio que uma ou outra talvez entre numa sex shop para comprar alguma lingerie mais provocante, mas somos de uma geração (a das cavernas) que não se rendeu à indústria do desejo – o sexo artesanal ainda nos parece bem eficiente.

A comercialização do sexo, que antes era sinônimo de prostituição, hoje é um bem-sucedido setor de negócios em crescente expansão. O sexo está na internet, atendendo a todo tipo de anseios da libido, e é apelo para vender tudo: roupas, cosméticos, revistas, medicamentos. Estamos sendo coagidos a gozar muito além da cama. E nela, claro, obrigatoriamente. Então é lógico e natural que se crie uma diversidade de produtos para facilitar a realização de desejos que antes eram primitivos, e que hoje passaram a ser culturais.

Outro aspecto da questão é que muito do que consumimos visa atender nossas carências infantis, e nada como um brinquedinho com pilhas. Talvez seja esse o motivo de eu não ter feito meu cadastro nesse supermercado erótico: nunca fui muito fã do mundo infantil, sempre preferi brincar de gente grande. Minha infância foi saudável e bacana, mas eu não trocaria as emoções adultas pelos quintais do meu passado. Acho bonito cultivar uma certa inocência diante da secura da vida, mas vou até aí. Não sou de fazer bilu-bilu em todo elemento que use fraldas e não morro de saudade das minhas bonecas. Meus brinquedos preferidos sempre foram os livros, e seguem sendo. Teve também o cinema, que nunca deixou de me encantar, e os discos. Outro brinquedo inesquecível foi a máquina de escrever, que evolui para o computador. E gosto de dirigir um carro tanto quanto um homem. O duplo sentido da frase não foi proposital.

Talvez eu seja um caso perdido, mas o uso de brinquedos eróticos me remete a um universo muito censura livre, quase circense. Me excito com o que segue sendo proibido para menores, e acredito que o sexo ainda merece que a gente se esforce um pouco.

Martha Medeiros

Viver Despenteada



Hoje aprendi que é preciso deixar que a vida te despenteie, por isso decidi aproveitar a vida com mais intensidade... O mundo é louco, definitivamente louco... O que é gostoso, engorda. O que é lindo, custa caro. O sol que ilumina o teu rosto enruga. E o que é realmente bom dessa vida, despenteia...
 - Fazer amor, despenteia.
- Rir às gargalhadas, despenteia.
- Viajar, voar, correr, entrar no mar, despenteia.
- Tirar a roupa, despenteia.
- Beijar à pessoa amada, despenteia.
- Brincar, despenteia.
- Cantar até ficar sem ar, despenteia.
- Dançar até duvidar se foi boa idéia colocar aqueles saltos gigantes essa noite, deixa seu cabelo irreconhecível...
Então, como sempre, cada vez que nos vejamos eu vou estar com o cabelo bagunçado... mas pode ter certeza que estarei passando pelo momento mais feliz da minha vida. É a lei da vida: sempre vai estar mais despenteada a mulher que decide ir no primeiro carrinho da montanha russa, que aquela que decide não subir. Pode ser que me sinta tentada a ser uma mulher impecável, toda arrumada por dentro e por fora. O aviso de páginas amarelas deste mundo exige boa presença: Arrume o cabelo, coloque, tire, compre, corra, emagreça, coma coisas saudáveis, caminhe direito, fique séria... e talvez devesse seguir as instruções, mas quando vão me dar a ordem de ser feliz?
Por acaso não se dão conta que para ficar bonita eu tenha que me sentir bonita... A pessoa mais bonita que posso ser! O único, o que realmente importa é que ao me olhar no espelho, veja a pessoa que devo ser. Por isso, minha recomendação a todas as mulheres (homens também): Entregue-se, coma coisas gostosas, beije, abrace, dance, apaixone-se, relaxe, viaje, pule, durma tarde, acorde cedo, corra, voe, cante, arrume-se para ficar linda(o), arrume-se para ficar confortável! Admire a paisagem, aproveite, e acima de tudo, deixa a vida te despentear! O pior que pode acontecer é que, rindo frente ao espelho, você precise se pentear de novo...


(Desconheço o autor)

sábado, 14 de maio de 2011

De Clarice...


Bom dia, pessoal!
Hoje começo com ela, que dispensa apresentações, Clarice Lispector:




  “Ah viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não para, viver parece ter sono e não poder dormir – viver é incômodo. Não se pode andar nu nem de corpo nem de espírito.”