domingo, 23 de outubro de 2011

VI


Há quem receite a palavra ao ponto de osso, de oco;
ao ponto de ninguém e de nuvem.
Sou mais a palavra com febre, decaída, fodida, 
na sarjeta.
Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las
pro chão, corrompê-las
até que padeçam de mim e me sujem de branco.
Sonho exercer com elas o ofício de criado:
Usá-las como quem usa brincos.

(Manoel de Barros, in “Arranjos Para Assobio”, pg. 19.)


domingo, 16 de outubro de 2011

Eles não usam black-tie


Tião – Tem uma nota sobre a greve na primeira página!...
Otávio – Se até as oito horas da noite não derem o aumento, greve geral na metalúrgica!
Tião – Ninguém tem peito, pai!
Otávio – Como não tem peito? Tá esquecendo do ano passado?
Tião – Eu não tava lá.
Otávio – Mas eu estava! Deram aumento ou não deram?
Tião – Deram parte do aumento, parte. E mesmo assim porque todas as categorias aderiram! Mas aguentá o tranco sozinho, ninguém.
Otávio – Espera só a assembleia de hoje e vai ver se tem peito ou não! Eu tinha avisado, heim! O ano passado entramos em acordo com o patrão e foi o que se viu. Agora, aprenderam.
Tião – E por que entraram em acordo?
Otávio – Porque parte da comissão amoleceu...
Tião – Tá vendo, tai! Se em greve de conjunto metade da turma amoleceu...
Otávio – Metade da turma não senhor! Metade da comissão.
Tião – E então?
Otávio – E então, o quê? Eram pelegos! A turma topava mais tinha meia dúzia deles que eram pelegos. A turma topava, os pelegos deram para trás.
Tião – Não, pai! Pro senhor, quem não pensa como o senhor é pelego...
Otávio – Nada disso. Eram pelegos no duro. Taí a prova: ta tudo bem arrumado na fábrica. Tudo chefe e fiscal! O que é isso? Peleguismo, traidores da classe operária.
[...]
Maria – Medo, medo, medo da vida... você teve!... preferiu brigá com todo mundo, preferiu o desprezo... Porque teve medo!... Você num acredita em nada, só em você. Você é um... um convencido!
[...]
Tião – Maria, pelo menos tu sabe que eu arranjei saída. Agora ta feito, num adianta chorá!
[...]
Maria – Medo, medo, medo...
Tião – Medo, está bem, Maria, medo!... Eu tive medo sempre! [...] Não queria ficá aqui sempre, ta me entendendo? Tá me entendendo? A greve me metia medo. Um medo diferente! Não medo da greve! Medo de sê operário! Medo de não saí nunca mais daqui! Fazê greve é sê mais operário ainda!...
Maria – Sozinho não adianta!... Sozinho tu não resolve nada!... Tá tudo errado!

(Gianfrancesco Guarnieri, in fragmentos da peça “Eles não usam Black-tie”, 7º edição, 1991.)


sábado, 15 de outubro de 2011

Sobre o Ensino

“Homem nenhum lhes pode revelar nada, senão aquilo que já queda meio adormecido no alvorecer de seu conhecimento.
   O professor que caminha à sombra do templo, entre seus discípulos, não partilha sua própria sabedoria, mas antes sua fé e amor.
   Se for sábio de fato, ele não lhes ordenará que entrem na morada de sua sabedoria, mas antes os conduzirá à soleira da própria mente de vocês."
 
(Kahlil Gibran)
 

"Pois a visão de um homem não empresta suas asas a outro homem.”


(Kahlil Gibran, in “O Profeta”, pg.: 67 e 68.)
 
 

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Vaso Chinês


Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados á feição de amêndoa.

(Alberto de Oliveira)


quinta-feira, 13 de outubro de 2011

PEITOS

    
   A SEGUNDA versão do filme King Kong, com Jessica Lange, formava filas e filas no Cine Cacique, em 1976. Quintana relutava em ver, pois gostava muito da versão original com Fay Wray, um clássico dos anos 30, e temia decepcionar-se. O crítico Ivo Stigger, a quem chamava de “Alemãozinho do Cinema”, tanto insistiu que ele foi ver.
   Voltou com os olhos brilhando:
   - Fiquei tão erotizado!
   - Já sei, poeta, te apaixonaste pela Jessica Lange.
   - Que loirinha, que nada! Sensual é o gorilão. Ou não notaste que ele tem os peitos da Rachel Welch?!...

(Juarez Fonseca, in “O humor de Mario Quintana”, pg.: 81.)


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A SECO

Vamos encarar os fatos
A verdade nua e dura:
Estou e sou sozinho.
Isso é razão ou pura loucura?
Não é ruim nem bom
Mas de onde vêm
esses ruídos
esse descompasso,
essa sensação?
Essa coisa em que
não mando,
Será o coração reclamando?

(Ulisses Tavares, in “Diário de Uma Paixão”.)

terça-feira, 11 de outubro de 2011


“O pior dos problemas da gente
é que ninguém tem nada com isso.”

(Mario Quintana in Caderno H)