segunda-feira, 29 de agosto de 2011

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que levam o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

(Fernando Pessoa)



quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Homenagem a Paulo Leminski


Há 67 anos nascia em Curitiba um dos mais significativos e atuais poetas da literatura brasileira, Paulo Leminski Filho. Viva Leminski e toda a sua poesia que vive entre nós!

“(...) o melhor de Leminski não são as canções, a música, que não chegam a formar um todo consistente, mas os poemas impressos – é na luta com as palavras no branco e preto da página que ele ocupa o lugar de um dos nomes mais inovadores da atual poesia brasileira.”

(Mário Sérgio Conti)

“Formalista, como todo artista, Leminski não é porém um poeta de gabinete. Suas Vivências de beatnik caboclo e sua filosofia de malandro zen são depuradas no cadinho da linguagem até chegar à cifra certa.”

(Leyla Perrone-Moisés)



“Leminski não se prende a nenhuma fórmula ou escola, tem som e ritmo absolutamente pessoais e, quando descompassa e desafina, é proposital e divertido, conquistando o leitor de imediato, pela emoção.”

(Flora Figueiredo)


POR UM LINDÉSIMO DE SEGUNDO

                                                                 tudo em mim
                                                               anda amil
                                                                 tudo assim
                                                               tudo por um fio
                                                                 tudo feito
                                                               tudo estivesse no cio
                                                                 tudo pisando macio
                                                               tudo psiu

                                                                 tudo em minha volta
                                                               anda às tontas
                                                                 como se as coisas
                                                               fossem todas
                                                                 afinal de contas

                                                               (Paulo Leminski)






         toda palavra é puta
            a muitos ela se dá
 mas, poucos beija a boca

Marden Assis


domingo, 21 de agosto de 2011

EMBEBEDAI-VOS


   É preciso estar-se, sempre, bêbado. Tudo está lá, eis a única questão. Para não sentir o fardo do tempo que parte vossos ombros e verga-vos para a terra, é preciso embebedar-vos sem tréguas.
   Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a escolha é vossa. Mas embebedai-vos.
   E se, às vezes, sobre os degraus de um palácio, sobre a grama verde de um vala, na solidão morna de vosso quarto, vós vos acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que passa, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, vos responderão: “É hora de embebedar-vos! Para não serdes escravos martirizados do Tempo, embebedai-vos, embebedai-vos sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude: a escolha é vossa.”
            
Charles Baudelaire

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Motivo


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo_
– mais nada.

Cecília Meireles


quinta-feira, 18 de agosto de 2011


ali
ali
se

se alice
ali se visse
quando alice viu
e não disse

se ali
ali se dissesse
quanta palavra
veio e não desce

ali
bem ali
dentro da alice
só alice
com alice
ali se parece

Paulo Leminski

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Soneto Do Maior Amor


Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da aterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer – e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

Vinícius de Moraes


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

De Euclides


Nestes três dias esplêndidos
Em que o Prazer tudo arrasa
Desde o cristão ao ateu,
Quem se sente neurastêmico
Faz como eu,
Fica em casa.

Euclides da Cunha

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A Um Poeta


Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.

Olavo Bilac