sábado, 30 de julho de 2011

Alguém


Há qualquer coisa em mim que eu não sei o que seja:
vida que, estranha à minha, a minha vida agita;
um ser que não é o meu e meu ser lateja,
alma de um outro eu que em minha alma palpita.

Estrangeiro na terra, onde quer que eu esteja,
crucificado em mim – cruz de uma do bendita – ,
sinto, sem que o ouça e prove e aspire e toque e veja,
esse alguém que eu ignoro, esse outro que me habita.

Amo esse não-sei-quê que ao meu seu todo alia.
Se eu sou ele, que importa que ele venha, um dia,
minha vida tornar feliz ou desgraçada?

Não sei quem ele seja: e nele entanto creio,
pois dele é que há de vir, como sempre me veio,
sua essência que é tudo em meu todo que é nada.

Guilherme de Almeida


quarta-feira, 27 de julho de 2011

terça-feira, 19 de julho de 2011

As Vitrines



Eu te vejo sair por aí
Te avisei que a cidade era um vão
- Dá tua mão
- Olha pra mim
- Não faz assim
- Não vai lá não

Os letreiros a te colorir
Embaraçam a minha visão
Eu te vi suspirar de aflição
E sair da sessão, frouxa de rir

Já te vejo brincando, gostando de ser
Tua sombra a se multiplicar
Nos teus olhos também posso ver
As vitrines te vendo passar

Na galeria, cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão

 Chico Buarque



“Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde às três eu já começarei a ser feliz.”

Exupéry

 
“A vida é como uma fábula; não importa quanto seja longa, mas que seja bem narrada.”
 
Sêneca
 
 

sexta-feira, 15 de julho de 2011

...

“Pra quem eu preciso justificar minhas decisões, minhas escolhas, meu amores? Quem além de mim gozará de tamanha satisfação ou insatisfação mediante as minhas atitudes?”

Martha Medeiros



“Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno.
Olhe para o relógio: é hora de acordar.”

Martha Medeiros

quinta-feira, 14 de julho de 2011

José


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

[...]

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
Jose, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade