sexta-feira, 30 de setembro de 2011

SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS


A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ªfeira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
seguia sempre, sempre em frente ...

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

(Mario Quintana)


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Versos Íntimos


Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

(Augusto dos Anjos)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Falso Quintana

Olá, pessoas!
Recentemente visualizei no facebook um “falso Quintana”.  Como conheço a verdadeira autoria, me vejo com a obrigação, e tenho, de postar o texto na sua forma original, com sua autora original.

Não é de Mario Quintana:



"Quero, um dia, poder dizer às pessoas que nada foi em vão, que o amor existe, que vale a pena se doar às amizades e às pessoas, que a vida é bela sim, que eu sempre dei o melhor de mim e que valeu a pena!"

(Adriana Britto)

terça-feira, 27 de setembro de 2011

"Felicidade se acha é só em horinhas de descuido.”

(Guimarães Rosa)


 
"Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa..."

(Mario Quintana)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011


"[...] deve haver na minha cabeça, e seguramente na cabeça de toda a gente, um pensamento autônomo que pensa por sua própria conta, que decide sem a participação do outro pensamento, aquele que conhecemos desde que nos conhecemos e que tratamos por tu, aquele que se deixa guiar por nós para nos levar aonde cremos que conscientemente queremos ir, mas que, afinal de contas, poderá ser que esteja a ser conduzido por outro caminho, noutra direção, e não para a esquina mais próxima, onde um bando de perdizes nos espera sem que o saibam, mas sabendo nós, enfim, que o que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca e que é preciso andar muito para alcançar o que está perto. [...]"

(José Saramago in "Todos os Nomes")

domingo, 25 de setembro de 2011

Teu nome


Teu nome, Maria Lúcia
Tem qualquer coisa que me afaga
Como uma lua macia
Brilhando á flor de uma vaga.
Parece um mar que marulha
De manso sobre uma praia
Tem o palor que irradia
A estrela quando desmaia
É um doce nome de filha
E um belo nome de amada
Lembra um pedaço de ilha
Surgindo de madrugada
Tem um cheirinho de murta
E é suave como a pelúcia
É acorde que nunca finda
É coisa por demais linda
Teu nome, Maria Lúcia...

(Vinícius de Moraes in Obra Poética, pg. 408.)


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O Mínimo Do Máximo

    Tempo lento,
 espaço rápido,
              quanto mais penso,
menos capto.
           Se não pego isso
                que me passa no íntimo,
        importa muito?
  Rapto o ritmo.
                Espaçotempo ávido,
          lento espaçodentro,
                 quando me aproximo,
                   simplesmente me desfaço,
          apenas o mínimo
              em matéria de máximo.

(Paulo Leminski in “Melhores Poemas”, pg 109, Global Editora.)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

LVIII


Deus me livre ter a ideia descabida
De, escravo, restringir vosso tempo de gozo,
Ou de exigir me deis conta da vossa vida,
Eu, vassalo empenhado em fazer-vos ditoso!
Ah!, deixai-me sofrer, assim, ao vosso mando,
A ausência em que me prende a vossa liberdade,
E os reveses da sorte ir, paciente, arrostando,
Sem ver, por isso, em vós, nem sombra de maldade.
Vivei, pois, à vontade. O vosso condão vence
O próprio tempo, nele influindo de tal jeito,
Que em tudo vos atende. A vós, certo, pertence
Perdoar o crime, até, que hajais contra vós feito.
    À espera eu fico e, embora infernal seja a espera,
    Não maldigo o prazer que a alma vos refrigera.

William Shakespeare


quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Pálpebras de Neblina



Fim de tarde. Dia banal, terça, quarta-feira. Eu estava me sentindo muito triste. Você pode dizer que isso tem sido frequente demais, ou até um pouco (ou muito) chato. Mas, que se há de fazer, se eu estava mesmo muito triste? Tristeza-garoa, fininha, cortante, persistente, com alguns relâmpagos de catástrofe futura.
Projeções: e amanhã, e depois? E trabalho, amor, moradia? O que vai acontecer? Típico pensamento-nada-a-ver: sossega, o que vai acontecer, acontecerá. Relaxa, baby, e flui: barquinho na correnteza, Deus dará. Essas coisas meio piegas, meio burras, eu vinha pensando naquele dia. Resolvi andar. Andar e olhar. Sem pensar, só olhar: caras, fachadas, vitrinas, automóveis, nuvens, anjos bandidos, fadas piradas, descargas de monóxido de carbono. Da praça Roosevelt, fui subindo pela Augusta, enquanto lembrava uns versos de Cecília Meireles, dos Cânticos: “Não digas Eu não sofro. Que é que dentro de ti és tu? / Que foi que te ensinaram / que era sofrer?” Mas não conseguia parar. Surdo a qualquer zen-budismo, o coração doía sintonizado com o espinho. Melodrama: nem amor, nem trabalho, nem família, quem sabe nem moradia – coração achando feio o não-ter. Abandono de fera ferida, bolero radical. Última da criaturas, surto de lucidez impiedosa da Big Loira de Dorothy Parker. Disfarçado, comecei a chorar. Troquei os óculos de lentes claras pelos negros ray-ban – filme. Resplandecente de infelicidade, eu subia a Rua Augusta no fim de tarde do dia Tão idiota que parecia não acabar nunca. Ah! Como eu precisava tanto de alguém que me salvasse do pecado de querer abrir o gás. Foi então que a vi. Estava encostada na porta de um bar. Um bar brega – aqueles da Augusta-cidade, não Augusta-jardins. Explícita, nada sutil, puro lugar comum patético. Em pé, de costas para o bar, encostada na porta, ela olhava a rua.

Na mão direita tinha um cigarro, na esquerda um copo de cerveja. E chorava, ela chorava. Sem escândalo, sem gemidos nem soluços, a prostituta na frente do bar chorava devagar, de verdade. A tinta da cara escorria com as lágrimas. Meio palhaça, chorava olhando a rua. Vez em quando, dava uma tragada no cigarro, um gole na cerveja. E continuava a chorar – exposta, imoral, escandalosa – sem se importar que a vissem sofrendo. Eu vi. Ela não me viu. Não via ninguém, acho. Tão voltada para a própria dor que estava, também, meio cega. Via pra dentro: charco, arame farpado, grades. Ninguém parou. Eu, também, não. Não era um espetáculo imperdível, não era uma dor reluzente de néon, não estava enquadrada ou decupada. Era uma dor sujinha como lençol usado por um mês, sem lavar, pobrinha como buraco na sola do sapato. Furo na meia, dente cariado. Dor sem glamour, de gente habitando aquela camada casca grossa da vida. Sem o recurso dessas benditas levezasde cada dia – uma dúzia de rosas, uma música de Caetano, uma caixa de figos. Comecei a emergir. Comparada á dor dela, que ridícula a minha, dor de brasileiro-médio-privilegiado. Fui caminhando mais leve. Mas só quando cheguei á Paulista compreendi um pouco mais. Aquela prostituta chorando, além de eu mesmo, era também o Brasil. Brasil 87: explorado, humilhado, pobre, escroto, vulgar, maltratado, abandonado, sem um tostão, cheio de dívidas, solidão, doença e medo. Cerveja e cigarro na porta do boteco vagabundo: carnaval, futebol. E lágrimas. Quem consola aquela prostituta? Quem me consola? Quem consola você, que me lê agora e talvez sinta coisas semelhantes? Quem consola este país tristíssimo? Vim pra casa humilde.
Depois, um amigo me chamou para ajudá-lo a cuidar da dor dele. Guardei a minha no bolso. E fui. Não por nobreza: cuidar dele faria com que eu me esquecesse de mim. E fez. Quando gemeu “dói tanto”, contei da moça vadia chorando, bebendo e fumando (como um bolero). E quando ele perguntou “porquê”?, compreendi ainda mais. Falei: “Porque é daí que nascem as canções”. E senti um amor imenso. Por tudo, sem pedir nada de volta. Não-ter pode ser bonito,descobri. Mas pergunto inseguro, assustado: o que será que se destina?

Caio Fernando Abreu

"Quando você encontrar a outra metade da sua alma, você vai entender porque todos os outros amores deixaram você ir. Quando você encontrar a pessoa que realmente merece seu coração, você vai entender porque as coisas não funcionaram com todos os outros."

(Rubem Alves)


"O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “Se eu fosse você”. A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção."


(Rubem Alves)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

I


Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus defeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha  escritura a algum juízo isento,
escureceu-me o engenho com tormento,
para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quanto lerdes
num breve livro casos tão diversos,

verdades puras são e não defeitos...
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos.

Luís de Camões


sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Eu



Até agora eu não me conhecia,
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!

Andava a procurar-me – pobre louca! –
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
E a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

Florbela Espanca



quinta-feira, 1 de setembro de 2011


“Nossas escolhas não podem ser apenas intuitivas, elas têm que refletir o que a gente é. Lógico que se deve reavaliar decisões e trocar de caminho: ninguém é o mesmo para sempre. Mas que essas mudanças de rota venham para acrescentar, e não para anular a vivência do caminho anteriormente percorrido. A estrada é longa e o tempo é curto. Quanto menos a gente errar, melhor.”

(Martha Medeiros)